Histórias de alunos e professores do Norte do RS e Oeste de SC
Ivomar Rauber e João Gabriel Frandoloso do RS e Oeste de SC
Em Mondaí, assim como em todo o país, escolas estão fechadas desde o dia 17 de março de 2020. (Créditos: Ivomar Rauber)
Portões fechados e alunos distantes das salas de aulas. A pandemia causada pelo novo Coronavírus (Sars-cov2), que no Brasil, até o dia 21 de novembro de 2020, já infectou mais de seis milhões de pessoas e fez mais de 168 mil vítimas fatais, causou alterações nas rotinas dos indivíduos, sejam elas no trabalho, família ou vida social. O que se destaca como um dos problemas deste período é o funcionamento das escolas, ou seja, o setor da educação.
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO), agência da ONU responsável por acompanhar e apoiar a educação, comunicação e cultura no mundo, a pandemia já impactou os estudos de mais de 1,5 bilhão de estudantes em 188 países, o que representa cerca de 91% do total de estudantes do planeta. Em meio a esse panorama assustador e conturbado, não apenas na questão de saúde, mas, também do aprendizado das crianças e dos jovens, os impactos no ensino são vários. Entre eles está o acesso limitado dos alunos às plataformas digitais, falta de equipamentos, sinal de internet inexistente e dificuldades no ambiente familiar.
A verdade é que as pessoas não imaginavam que a pandemia fosse atingir tamanhas proporções. As organizações não se prepararam para lidar com as consequências impostas pelo distanciamento e isolamento social. A área da educação não teria como escapar desse desafio. Porém, a maioria das escolas não conta com o suporte necessário para oferta do ensino remoto, pois, antes da pandemia, as plataformas digitais eram aproveitadas pela minoria dos estudantes da educação básica.
Em outro ponto, são poucos os professores que tiveram a formação adequada para lecionar à distância. Preparar uma aula remota é bem diferente da prática presencial de sala de aula. As crianças e os jovens também não estavam acostumados as rotinas mais pesadas de estudos em casa, ambiente no qual normalmente priorizavam atividades de descanso e entretenimento. De maneira geral, os estudantes não possuíam a maturidade para lidar com o ensino remoto, em especial os alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental.
Sei que isso vai fazer falta mais a frente. Hoje, eu não estaria pronto. (Marciel Stein - Estudante).
A participação dos pais no ensino
No momento da pandemia, as aulas remotas estão sendo consideradas um “quebra-galho”, ou seja, não se pode comparar o estudo presencial com o estudo online. O Brasil precisa avançar muito em políticas públicas voltadas para tecnologias na educação, para poder realmente ter um sistema com ensino híbrido na educação básica, o que significa a união do que é feito em sala de aula em uma estrutura física e o que é feito em uma sala online, que é o ensino virtual. Um dos pontos observados durante o período, foi o ambiente familiar, o qual, em sua maioria, causou problemas para o ensino dos alunos. Entre eles, está o atrapalho para com a concentração, em um cenário que não é escolar, o acúmulo de tarefas em casa, principalmente para quem tem irmão, ou pais que necessitam deixar seus filhos em creches, para poder trabalhar.
A revalorização do professor deve iniciar por esse caminho. Muitos pais, estão percebendo o quanto o ensino dos profissionais no ambiente escolar é necessário. Em conversa com Leila da Silva, mãe do estudante Gabriel Maestri que tem sete anos de idade e estuda na Escola Municipal Gessy Spier Averbeck em Mondaí-SC, verificamos que a participação do filho nas aulas tem sido um enorme desafio. “É muito difícil criar um hábito de leitura, de regrar o tempo para estudar e de acompanhar meu filho nas atividades. É um desafio, pois trabalho o dia todo”, disse a mãe do menino.
Após nove horas no trabalho, Leila auxilia seu filho nos estudos em casa. (Créditos: João Gabriel Frandoloso)
Leila é um exemplo de muitos pais e mães que percebem a importância do professor, pois, são os pais que têm enfrentado problemas para dedicar tempo para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos filhos. Ela trabalha o dia todo, paga uma “táta” (cuidadora de criança) e, divide o tempo de folga, para fazer os serviços domésticos e ajudar Gabriel nos estudos.
Agora imagine uma família onde residem, pai, mãe e mais dois, três, quatro ou mais filhos. A dificuldade é muito maior e muitos casos se apresentam dessa forma. Prazo para entregar trabalho, plataforma digital para acessar, um verdadeiro caos dentro do ambiente familiar, o qual, sobrecarregado, não faz bem para o aprendizado e muito menos para a saúde mental da família. É o que afirma Leila, “aqui em casa já procuramos ajuda médica, até mesmo em um psicólogo, precisamos de alguém que nos coloque em um caminho de muita paciência e de paz.”
Andriel: Sem acesso à internet
Outro problema que no fundo todos temos ciência, mas que foi escancarado pela pandemia no setor educacional, é a desigualdade social e de acesso às tecnologias, o que na área da educação causa um abismo entre aqueles que podem dar continuidade ao seu processo de aprendizagem e outros que sequer possuem um dispositivo eletrônico com conexão à internet dentro de casa. As tecnologias educacionais são a principal solução para a situação que vivemos e de maior potencial de inovação na maneira como ensinamos crianças e jovens. Contudo, a realidade brasileira está bem longe de ser igualitária, infelizmente.
Nesse ponto, nos deparamos com a história do aluno Andriel Prudente de 12 anos de idade e que falou à nossa reportagem. Ele mora na Linha Boa Esperança, interior do município de Vicente Dutra-RS, há 26 quilômetros da Escola Estadual de Educação Básica 14 de Maio. “Estou ficando para trás em comparação aos meus colegas. Eu não tenho computador e nem acesso à internet, não consigo assistir às aulas, nem baixar material, nem conversar com as pessoas para ter explicações dos trabalhos”, afirma Andriel. A única proximidade que ele tem com a escola, é quando sua mãe, Rosane Prudente, vai retirar os trabalhos físicos, com prazo de 15 dias para realizar as tarefas e posteriormente, entregar. Isso, sem nenhum contato com professores, somente com a secretária da escola.
Andriel busca os trabalhos na escola e não tem acesso à internet. (Créditos: Ivomar Rauber)
Segundo pesquisa do IBGE, apenas 57% da população brasileira possui um computador em condições de executar softwares mais recentes. Outro estudo realizado em 2018, a Pesquisa TIC Domicílio, aponta que mais de 30% dos lares no Brasil não possuem acesso à internet, ferramenta indispensável para o ensino remoto. O resultado disso é uma inevitável acentuação da desigualdade de acesso não só ao ensino de qualidade, mas do ensino básico, causando uma queda na aprendizagem ainda maior do que já temos entre alunos do sistema público e da rede particular.
A preocupação com a saúde mental
O afastamento das escolas, levando as crianças e os jovens a estudarem em casa, mostrou, em muitos casos, o quanto as famílias estavam até então afastadas da escola e do aprendizado de seus filhos. Ao terem que acompanhar mais de perto a rotina de estudos deles, pais e mães perceberam a necessidade de estarem mais próximos do material didático, das metodologias adotadas e dos professores.
A outra história que chamou atenção é do estudante Marciel Stein, de 14 anos de idade. Ele reside no município de São João do Oeste-SC, estuda na Escola de Ensino Fundamental Padre João Rick e conta que, por dia, precisa de aproximadamente cinco horas para fazer os trabalhos. Marciel mora no interior, na Linha Ervalzinho, porém, tem acesso à internet e possui computador. “Alguns momentos a internet cai, trava. Acabo perdendo o sinal e muitas vezes nem consigo assistir à aula”, conta o aluno. Na avaliação dele os professores poderiam dar aulas mais frequentes pela plataforma, mas, isso tem sido feito a cada 15 dias, já em outras disciplinas, nenhuma aula foi realizada usando a plataforma. Questionado sobre o tempo de duração desses encontros virtuais, responde que “não passa de uns 30 minutos”.
Marciel dedica ao menos cinco horas por dia aos estudos. (Créditos: Ivomar Rauber)
O aluno destaca que está sem motivação e que não se sente pronto para ingressar no ensino médio, em 2021. “Muita coisa foi deixada de lado, esquecida e, eu sei que isso vai fazer falta mais a frente. Hoje, eu não estaria pronto”, disse Marciel. Isso, faz com que a preocupação com a saúde mental dos alunos venha à tona. Já é corriqueiro ouvir dos estudantes que estão precisando segurar as pontas, que é difícil assimilar tudo o que está acontecendo. No caso de Marciel, a pressão foi tão grande que resultou em períodos de estresse, crises de ansiedade e surtos.
A mãe do aluno, Maria Janice de Azevedo Stein, conta que por muitas vezes teve que sentar, conversar e acalmar o filho, pois, a decisão de desistir dos estudos, não saía da cabeça. Marciel divide seu tempo em casa, entre a realização dos trabalhos de escola, estudo e o trabalho com seus pais, na agricultura.
O sonho da faculdade e suas barreiras
São muitos os problemas que a pandemia trouxe para o sistema de educação em 2020 e uma série de desafios têm sido enfrentados. Para aqueles que estão no último ano da escola, é inegável que os prejuízos sejam ainda maiores. Como é o caso do estudante Pedro Henrique Ábido, 17 anos de idade, estudante da Escola Estadual de Ensino Médio Zenir Ghizzi da Silva, do município de Trindade do Sul-RS.
Em entrevista, Pedro Henrique destaca que o ano não foi produtivo e não sabe como vai encarar uma possível entrada na universidade. “Tive a infelicidade da pandemia acontecer logo no ano que encerro o ensino médio. Eu vi colegas entrando em depressão, desistindo dos sonhos e hoje na verdade não sei o que vai ser de mim, não sei o que me espera lá na frente”, comenta. A família não tem condições de bancar uma faculdade, por isso, fica na esperança de conseguir uma bolsa de estudo e conquistar seu grande sonho, cursar Jornalismo.
Pedro Henrique prestou vestibular na Unochapecó. Sonha cursar Jornalismo. (Créditos: João Gabriel Frandoloso)
Outro ponto, é a questão financeira. A procura por emprego tem raízes mais profundas do que a simples busca por uma independência. Grande parte dos alunos precisam trabalhar para garantir renda para si e suas famílias, principalmente aqueles em que os pais perderam seus empregos durante a pandemia. E como pagar uma faculdade sem ter onde trabalhar? E pelo caminho do Enem, como participar do processo de seleção, sabendo que não teve a preparação necessária? O caso de Pedro Henrique se repete milhares de vezes, todos os dias, em que jovens vivem na incerteza de ganhar uma bolsa de estudo, ou abandonar um sonho devido às condições financeiras.
A verdade é que as pessoas não imaginavam que a pandemia fosse atingir tamanhas proporções. As organizações não se prepararam para lidar com as consequências impostas pelo distanciamento e isolamento social. A área da educação não teria como escapar desse desafio.
Atitude: Histórica e humana
Momentos de crise sempre impulsionaram a inovação da sociedade em diversas frentes e a pandemia do coronavírus deve ser encarada como uma nova oportunidade de acelerarmos não só a utilização de tecnologias educacionais, mas também de alavancar mudanças no lado humano, como exemplo, a metodologia adotada pela professora Nádia dos Reis, que leciona para 30 crianças das séries iniciais, na Escola Municipal Gessy Spier Averbeck, no município de Mondaí-SC.
A professora realizou uma atividade para amenizar a saudade das turmas em que trabalha, se fantasiando de Branca de Neve. A pedagoga disse que a ideia foi combinada com os pais através de um grupo no WhatsApp. Ela realizou a confecção de doces e distribuiu para seus alunos, com a ajuda do noivo e da mãe. Além disso, Nádia visitou alunos da cidade, bairros e interior de Mondaí, em uma estratégia para matar a saudade e animar as crianças.
Nádia contou com a ajuda do namorado para levar doces aos alunos. (Créditos: Nádia dos Reis)
A professora conta que foi uma experiência muito válida, pois, foi possível conhecer a realidade dos estudantes. Além disso, lembra que o sistema de aulas a distância é encarado como um faculdade para todos os professores, pois, foi preciso se adaptar e inovar para garantir a educação das crianças. “Eu como professora, a primeira vez que voltei para a escola, pra cumprir horário, planejamento e tudo mais, bateu uma tristeza muito grande de chegar em uma escola e não ter barulho. A referência de uma escola é o barulho das crianças”, afirma Nádia.
Este momento de isolamento social que estamos vivendo em 2020, está sendo complicado e desafiador, mas vamos superá-lo. É preciso criar um protocolo para a volta às aulas presenciais, assim como foi criado para o retorno de festas, eventos e todas as aglomerações que já foram presenciadas. O espaço escolar, presença física e o convívio social dos alunos, são importantes na aprendizagem, e, é nesse ambiente que a criança convive com os outros, negocia pontos de vista, apresenta argumentos, aprende a aceitar diferenças, tem que batalhar quando enfrenta certos problemas, constrói a disciplina, por meio de trabalhos em grupo e assume liderança ao se apresentar para toda a turma. Saber, agir e evoluir.
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