Uma nova maneira de experienciar a fase das maiores descobertas sobre si mesmo e o mundo
Ana Luiza Markendorf Bergamini e Bernardo Rizatti Frizo
O ano de 2020 fez incrédulo até o adulto mais cético. Diante de uma vastidão incontável de situações inesperadas e, por vezes inusitadas, redescobrimos nossa criança interior em inúmeros momentos, enxergando o mundo através da lente da novidade, da ótica do imprevisível.
O poeta Fabrício Carpinejar eternizou em um de seus livros que "na infância, bastava ter sol lá fora, e o resto se resolvia". É que, durante esta fase, tão intensamente cheia de descobertas, um universo de infinitas possibilidades se abre ante nossos olhos, e com ele abre-se também nosso ímpeto de viver todos os momentos ao máximo.
Enquanto os olhos curiosos observam as nuvens procurando um animal ou um objeto em seu formato, os pés querem correr para todos os lados buscando o horizonte mais próximo em que estará escondida a próxima brincadeira, a próxima novidade, a próxima descoberta.
Neste ano as descobertas vieram em dobro junto ao “novo normal”. “Novo normal” este que tornou-se a grande novidade, e que tanto nos mudou: transformou nossos hábitos, nossa rotina e nosso dia a dia. Aos olhos das crianças, que ainda estão conhecendo, entendendo e digerindo o mundo em sua totalidade, este “novo normal” tornou-se uma espécie de brincadeira.
Afinal, como não ficar escandalosamente feliz podendo passar mais tempo com os pais ou avós em casa? Como não se sentir seguro e amado tendo em volta as pessoas a quem amamos, os bichinhos de estimação, os brinquedos favoritos ao alcance das mãos a qualquer hora? Como não animar-se com a possibilidade de alguns dias de "férias" inesperadas?
Na infância todas as experiências são valiosas, e de alguma maneira nos educam para as próximas fases da vida: os momentos marcantes da infância são aqueles que levaremos conosco, consciente ou inconscientemente, para todo o sempre. Quanto mais saudável for nossa infância, quanto mais pudermos ser, de fato, crianças, mais preparados passaremos para a fase adulta.
Neste ano de 2020 que tanto nos surpreendeu, entre as novas brincadeiras, as descobertas por fazer e as amizades por vivenciar, uma pandemia mundial que cresceu a passos largos surpreendeu a todos, e alterou drasticamente os planos até mesmo dos pequenos, cuja única preocupação deveria ser o céu azul e o bom tempo para brincar.
Dadas as circunstâncias, um confinamento imposto sem aviso prévio trouxe, embora muita alegria pelas razões anteriormente citadas, também uma porção de dúvidas e inquietações. De acordo com a Revista Veja Saúde, um levantamento feito na província chinesa de Xianxim, na China, com 320 crianças e adolescentes revelou que os efeitos imediatos da pandemia, e consequentemente do confinamento foram a dependência excessiva dos pais, apresentada por 36% dos avaliados, a desatenção às tarefas cotidianas simples, que atingiu 32% das crianças e problemas de sono, que atingiram 21% dos entrevistados.
Estes dados demonstram que, embora a nova rotina tenha lhes parecido atrativa no início, pelas aventuras que lhes proporcionariam e pela alegria de estarem cercados diariamente daquilo que amam, as mudanças em seus hábitos tendem a ser deveras prejudiciais, especialmente, para sua saúde mental.
Cabe aos tutores alimentarem em seus pequenos a esperança de que em breve a rotina retornará ainda mais divertida, cheia de aventuras e de novas histórias para contar; histórias estas que devem ser escritas às mãos de todos aqueles que fazem parte da rotina da criança, transformando em brincadeira um momento tão inusitado, inesperado e diferente, tornando mais leve aos pais e às crianças vivenciar esse momento histórico, que tanto tem a nos ensinar.
O “NOVO NORMAL” NA PRÁTICA: SER CRIANÇA À DISTÂNCIA
A pandemia causada pelo novo coronavírus tem trazido mudanças na vida cotidiana das crianças. Há indícios de que a taxa de mortalidade nessa faixa etária é relativamente menor em comparação a outros grupos, como adultos e idosos. No entanto, é preciso afirmar que todas as crianças estão suscetíveis aos impactos da pandemia de outras maneiras.
Imaginação. Brincadeiras. Diversão. Palavras que são fios condutores da infância e de todo o processo de desenvolvimento da criança em seu estado de liberdade e de descoberta. Contudo, em tempos de isolamento social e de incertezas, essas ações também precisaram ser ressignificadas, voltando-se para dentro de cada lar, possibilitando novos aprendizados e o fortalecimento de laços entre crianças e suas famílias.
“Quando o vírus vai embora? Ainda falta muito? Quando isso vai passar? Quando vou poder voltar a brincar na escola com meus amigos? Porque está acontecendo isso”? O que as crianças compreendem daquilo que ninguém entendeu ainda? Será que estão tão angustiadas quanto nós, adultos? Uma doença nova, com pouco tempo de estudo, e pouco se sabe sobre o que é realmente o coronavírus, como ele age, e quando ele vai desaparecer.
Se nem todas vivem a quarentena do mesmo jeito, há pelo menos uma realidade em comum: estão longe da escola e da maioria dos amigos. Perceber e acolher as dores das crianças é papel dos adultos, e, muitas vezes, sinônimo de lembrar que elas são seres em formação que nem sempre sabem comunicar como e por que sofrem. Estar longe dos colegas, dos amigos, dos professores, das brincadeiras da escola e da vida normal abalam muito as crianças na sua inocência.
“É muito triste, porque as pessoas ficam mal e precisam passar uns dias no hospital sozinhas. Eu me preocupo muito porque não conseguiria ficar sozinha. Tem que passar álcool gel toda hora, principalmente quando saímos de casa. Só podemos sair de casa se for muito necessário, e não abraçar a vovó porque é perigoso”. Esse é o sentimento da Valentina Forest, que tem sete anos e está aprendendo a lidar com a pandemia.
Durante a pandemia, com períodos menores de aula,
Valentina aprendeu andar a cavalo com seu pai.
(Crédito: arquivo pessoal)
Com toda sua sinceridade, ela segue contando como está vivendo este tempo de isolamento: “Eu estou aproveitando para ir na piscina todo dia, e ficar brincando, porque agora posso ficar o dia inteiro com meus pais, pois antes eu precisava ir todos os dias na casa da minha tia quando eles estavam trabalhando fora de casa. Eu aprendi a andar a cavalo com meu pai, e andar de bicicleta sem rodinha.”. Ao ser questionada sobre o que é realmente o coronavírus, ela relata com toda sua inocência: “É um vírus que entra pela boca, nariz e olhos, e deixa as pessoas doentes, mas o Bob (cachorro da Valentina) e os outros bichos não pegam”.
Diante de tudo que está acontecendo neste ano de 2020, procurar entender cada criança e quais são os seus sentimentos em relação a pandemia, faz com que os pais e o próprio leitor possam ter novas visões em relação a quais atitudes podem ser tomadas enquanto a pandemia não chegar ao fim. Embora cada criança entenda e reaja a situação de uma forma, é importante abranger diversos relatos de pais e filhos neste momento, assim como foi o caso da Valentina, que diante das dificuldades que a pandemia impõe, ela aparenta estar feliz, e priorizando o lado bom de poder ficar em casa e aproveitar seus pais.
Em Erechim é possível perceber que a situação é um pouco mais complicada, talvez pelo fato da diferença de idade. Gustavo Rizatti, tem quatro anos, e sua mãe, Maristela Berlanda relata uma situação um pouco diferente da primeira. “O Gustavo tem apenas quatro anos, e está sentindo bastante dificuldade de compreensão neste período. Ele amava ir à escola, jogar bola e brincar com os colegas, e de uma hora para outra tudo acabou.
Apesar da pouca idade, Gustavo tem consciência da importância dos cuidados para evitar o contágio. (Crédito: arquivo pessoal)
É realmente complicado, porque entendemos o lado dele e precisamos explicar para ele que logo vai voltar ao normal, porém este normal parece estar um pouco longe ainda”. Maristela também conta que ficar muito tempo em casa acaba deixando o seu filho mais estressado: “Ele fica muito triste de não poder sair para ver os colegas. Também reclama muito na hora de usar máscara e passar álcool gel, mas ele entende que é para o bem de todos. Ter que enfrentar tudo isso, todos esses cuidados, para uma criança de quatro anos talvez não seja algo tão óbvio de entender quanto para nós”.
Todas essas mudanças estressantes podem gerar diversos impactos psicológicos nos pequenos, afinal, se as mudanças provocadas pela Covid-19 impactaram os adultos, nas crianças não seria diferente.
“Chato”. Do que você sente falta? “Tudo”. Resposta curta, simples e, acima de tudo, sincera. É assim o sentimento da menina Rafaela, que tem apenas quatro anos, e está sofrendo como a maioria das pessoas. Porém ela tem um motivo a mais para ficar preocupada. Moradora da cidade de São Paulo, onde vive com seus pais, Rafaela fica angustiada pois seus pais são médicos, e trabalham na linha de frente do combate ao coronavírus, e a exaustão toma conta do cotidiano da família. “Tenho saudades de brincar com os amigos, e de não usar máscara. Mas sei que tem que usar, lavar as mãos e passar álcool gel porque o bichinho do coronavírus traz doenças para a gente”.
Sem deixar de lado a máscara, Rafaela passa horas brincando na casa dos avós. (Crédito: arquivo pessoal)
“A alegria e a vivacidade que a Rafa tinha, foram desaparecendo aos poucos. Eu testei positivo, meu marido também, e a preocupação foi aumentando. A Rafa chorava todos os dias. Estava com medo de sair, pois achava que onde fosse, onde tocasse, iria ficar doente. Sempre perguntava se podia tocar nas coisas”.
As palavras da Thaís, mãe da Rafaela, mostram como o enfrentamento à pandemia, principalmente pelas pessoas que atuam diretamente no combate, é muito difícil, e exaustante.
O sentimento de cada criança é próprio e único. Sentem falta dos amigos e das brincadeiras. Mas ao ouvir cada relato, cada palavra dos pequenos algo em comum é visível entre todos, a conscientização. Todas entendem e afirmam com sabedoria a importância do álcool gel e da higienização para evitar o contágio. Papel importante dos pais que os instruíram, e consciência importante das crianças que parecem entender o perigo de tudo isso mais que muitos adultos. O que une todos é o sentimento de esperança que tudo possa acabar o mais rápido possível.
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